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O novo fetiche da classe média

“Mas você me prometeu!”

Ouvi ela dizer para o marido.

Eles haviam combinado de viajar e, apesar das dificuldades financeiras que enfrentavam no momento, ela estava chateada porque o marido havia prometido uma viagem que não aconteceria. 

Decidiram que iriam fazer as economias, usariam o cartão de crédito, consumiriam o pouco dinheiro guardado que tinham e fariam a viagem ainda assim. 

Na época, essa história me gerou um certo incomodo. Um feeling de que algo estava errado.
Desde então, venho refletindo esporadicamente a respeito.

Toda época é marcada por conflitos entre gerações.

Temos crenças contrastantes que estão sempre em choque, reflexo do período que cada um viveu.

Via de regra, essas crenças levam para opostos que são igualmente equivocados.

Como disse Lutero, a humanidade é como um bêbado andando a cavalo. Balançando de um lado para o outro e lutando para não cair.

Pegue, por exemplo, a segunda guerra mundial, que gerou um excesso de rigidez na criação dos filhos e, posteriormente, deu origem ao movimento do “paz e amor” dos Hippies, indo para o extremo oposto.

Antes, disciplina a qualquer custo, depois, liberdade a qualquer custo.

Nesse momento, em resposta ao nossos pais e avós que “viveram” apenas para conseguir trazer algum tipo de segurança financeira para a família, nossa geração não quer se preocupar tanto, não quer acumular patrimônio e quer “ter experiências”.

Não há nada de errado em ter experiências, o problema é quando esse mantra passa a ser repetido quase como uma religião.

E viajar é a deusa da vez.

Blogueiros começaram a fazer viagens extravagantes para aumentar o engajamento das próprias redes sociais e, a partir daí, veio um efeito em cascata.

Na busca por “ser” como o influencer, os meros mortais começaram a viajar cada vez mais. Uns, começaram a ver os outros viajando, e o desejo mimético foi consolidado.

Em pouco tempo, todos estão buscando viajar. Substituímos a necessidade da casa para casar e do carro zero todo ano, pela viagem para Gramado.

O que pouca gente viu é que o desejo pela viagem a qualquer custo, parcelada em 12x no cartão, é uma tentativa diferente de resolver o mesmo problema: o sentimento de vazio.

Na tentativa de replicar a falsa felicidade vista nas redes sociais, buscamos consumir o mesmo remédio publicado. Viagens. E na ineficácia logo constatada, o raciocínio mais prudente seria: “talvez esse não seja o caminho”.

Mas, em uma época em que o progresso é sempre o caminho, o raciocínio abraçado é exatamente o oposto: “Preciso viajar mais.”

Chegamos ao cúmulo de ter Nômades, em pleno século XXI — alguém avisa esse pessoal que nomadismo, antes da revolução agrícola, era sinônimo de morte. Que toda a sociedade atual foi construída em cima da aglomeração social, que deu início as cidades e, por isso, criou a estabilidade necessária para passarmos conhecimento adiante.

É como se estivéssemos retornando ao barbarismo. Abraçando o caos.

Não muito longe dos Nômades modernos, encontramos as bios e destaques do Instagram colecionando viagens.

65 países conhecidos, diz o jovem mancebo. Em busca da felicidade que, “agora sim, estará no próximo país” – ele pensa enquanto toma seu antidepressivo.

A vida digna não é encontrada ao colecionar viagens.

A vida digna é encontrada quando não é mais necessário preencher o vazio interior com experiências — como também não era com patrimônio.

O vazio no peito do homem só é preenchido quando conseguimos olhar para dentro e sentir paz. Na rotina da vida diária.

Não atoa, viajamos como nunca antes na história. Um jovem de classe média alta hoje conhece mais países do que Imperadores jamais imaginaram conhecer. Ainda assim, a depressão alcança picos sem precedentes.

Quando será que percebermos que a resposta não está em ir mais longe e com mais velocidade na estrada errada?

“Se você está no caminho errado, voltar atrás significa progresso.” – C.S. Lewis

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